Pedro e o Papado

No Novo Testamento podemos encontrar ampla evidência de que Pedro foi o primeiro em autoridade entre os apóstolos. Cada vez que os apóstolos são nomeados, Pedro encabeça a lista (Mt 10,1-4; Mc 3,16-19; Lc 6,14-16; At 1,13); algumas vezes aparece somente “Pedro e aqueles que estavam com ele” (Lc 9,32). Pedro era o primeiro que geralmente falava em nome dos apóstolos (Mt 18,21; Mc 8,29; Lc 12,41; Jo 6,69), e aparece em muitas cenas dramáticas (Mt 14,28-32; Mt 17,24, Mc 10,28).

Em Pentecoste, Pedro foi o primeiro que predicou à multidão (At 2,14-40), e foi Pedro que realizou a primeira cura milagrosa na nascente Igreja (At 3,6-7). Também foi a Pedro a quem veio a revelação de que os Gentis foram batizados e aceitos como cristãos (At 10,46-48).

Sua preeminente posição entre os apóstolos estava simbolizada no próprio princípio de sua relação com Cristo. Em seu primeiro encontro, Cristo disse a Simão que seu nome seria mudado para Pedro, que é traduzido como Rocha (Jo 1,42).

O fato é que – além da única vez que Abraão é chamado “rocha” (Hebraico: sur; aramaico: Kefa) em Isaías 51,1-2 – no Antigo Testamento somente Deus era chamado de rocha. Na antigüidade, a palavra rocha não era usada como nome próprio. Se você se dirige a um companheiro e lhe diz: “De agora em diante teu nome é Aspargo”, as pessoas se surpreenderão. Por que Aspargo? Qual é a intenção disto? Que é que isto significa? Então, por que chamar “Rocha” a Simão, o pescador? Cristo não estava fazendo isto sem sentido, e tampouco os judeus, quando davam um nome.

Dar um novo nome é mudar a situação da pessoa, como quando o nome de Abrão foi mudado a Abraão (Gn 17,5), o de Jacó a Israel (Gn 32,28), o de Eliaquim a Joaquim (2Rs 23,34), os nomes dos quatro jovens hebreus – Daniel, Ananias Misael e Azarias – para Baltazar, Sidrak, Misak e Abdênago (Dn 1,6-8). Mas nenhum judeu tinha sido chamado de Rocha. Os judeus davam outros nomes tomados da natureza, como Barak (“relâmpago”, Jz 4,6), Débora (“abelha”, Gn 35,8) e Raquel (“ovelha”, Gn 29,16), mas não Rocha.

No Novo Testamento, Tiago e João foram chamados por Cristo com o sobrenome de Boanerges, que significa “Filhos do Trovão”, mas este nome nunca foi regularmente usado no lugar de seu nome original, e certamente não era tomado como um novo nome. Mas no caso de Simão-bar-Jonas, seu novo nome Kefas (em grego: Petrus) definitivamente substituiu o nome velho.

Como se deram as coisas

Não somente foi significante para Simão receber um novo e inusual nome, mas também foi importante o lugar onde Jesus solenemente mudou seu nome para Pedro. Isto sucedeu quando “Jesus veio à cidade de Cesaréia de Filipo” (Mt 16,13), uma cidade que Felipe, o Tetrarca, construiu em honra de César Augusto, que tinha morrido no ano 14 d.C.

A cidade estava situada perto das cascatas do rio Jordão e perto de um gigantesco muro de rocha de cerca de 60 metros de altura e 150 metros de largura, que é parte da parte sul do Monte Hermon. A cidade não existe atualmente, mas suas ruínas estão próximas a Banias, uma pequena cidade árabe, e na base do muro de rocha pode ser encontrada a sua esquerda um dos afluentes que alimentam o Jordão. Foi aqui onde Jesus se dirigiu a Simão e lhe disse: “Tu és Pedro” (Mt 16,18).

O significado deste fato ficou bem claro aos outros apóstolos. Como judeus devotos, eles sabiam que o lugar era verdadeiramente importante para o que estava sendo feito – mudar o nome de Simão. Ninguém acusou Simão por ter recebido somente ele esta honra, e no resto do Novo Testamento é chamado por seu novo nome, enquanto Tiago e João continuaram se chamando Tiago e João, e não Boanerges.

Promessas a Pedro

Quando Ele encontrou pela primeira vez Simão, “Jesus lhe fixou o olhar, e disse, ‘tu és Simão, o filho de João? Chamar-te-ás Kefas (que significa Pedro)'” (Jo 1,42). A palavra “Kefas” em grego é meramente a tradução literal da palavra “Kefas” em aramaico. Então, depois que Pedro e os outros discípulos estavam com Cristo, eles regressaram outra vez a Cesaréia de Filipo, onde Pedro fez sua profissão de fé: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo” (Mt 16,16). Jesus lhe disse que aquilo era uma verdade especialmente revelada a ele e então solenemente reiterou: “E eu te digo: tu és Pedro” (Mt 16,18). E a isto acrescentou a promessa de fundar a Igreja, de algum modo, fundada sobre Pedro (Mt 16,18).

Então duas coisas muito importantes foram dadas aos apóstolos: “Tudo o que ates na terra, será atado no céu, e tudo o que desates na terra, será desatado nos céus” (Mt 16,19). Aqui, Pedro foi distinguindo com a autoridade de perdoar os pecados e elaborar as regras disciplinares. Logo os apóstolos receberam similar poder, mas, neste caso, particularmente aqui recebe Pedro de modo singular. Também foi somente a Pedro que foi prometido: “Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus” (Mt 16,19).

Naqueles tempos, a chave era sinal de autoridade. Uma cidade cercada de muralhas tinha uma grande porta, e essa porta tinha uma grande fechadura que funcionava com uma grande chave. Dar a chave da cidade (uma honra que ainda existe hoje em dia, ainda que não haja portas) é também dar livre acesso e autoridade sobre a cidade. A cidade da qual Pedro estava recebendo a chave era nada mais e nada menos que a própria Cidade Celestial. Este mesmo simbolismo para a autoridade é usado em outra parte da Bíblia (Is 22,22; Ap 1,18).

Finalmente, após a Ressurreição, Jesus apareceu para os seus discípulos e perguntou três vezes a Pedro: “Tu me amas?” (Jo 21,15-17). Em arrependimento por suas três negações, Pedro fez uma tríplice afirmação de amor. Então, Cristo, o Bom Pastor (Jo 10,11.14), deu a Pedro a autoridade que havia prometido: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).

Isto especificamente incluía os outros apóstolos, já que Jesus perguntou a Pedro, “Tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15) – a palavra “estes” se refere aos outros apóstolos que estavam presentes (Jo 21,2) -. Isto aconteceu para que se cumprisse a profecia feita antes de Jesus e seus discípulos estarem pela última vez no Monte das Oliveiras. Antes de sua negação Jesus disse a Pedro: “Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, [depois de sua negação] confirma teus irmãos.” (Lc 22,31s). Foi por Pedro que Cristo rezou para que não lhe faltasse a fé e para que fosse o guia dos outros, e sua oração, sendo perfeitamente eficaz, seria cumprida certamente.

Quem é a rocha? Voltemos nossa atenção para o verso-chave: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja” (Mt 16,18). A discussão sobre este verso sempre se voltou para o significado da palavra “pedra” ou “rocha”. A quem Jesus se refere? Visto que o novo nome de Simão, Pedro, por si só significa “rocha”, a frase pode ser reescrita como “Tu és Rocha e sobre esta rocha edificarei minha Igreja”. O jogo de palavras é óbvio, mas muitos comentaristas, desejando evitar o que segue (a instituição do papado), têm insinuado que a palavra rocha não pode referir-se a Pedro, mas sim à sua profissão de fé ou ao próprio Cristo. Do ponto de vista gramatical, a frase “esta rocha” deve referir-se ao substantivo mais próximo. A profissão de fé de Pedro (“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”), é feita a dois versículos do termo em análise, enquanto que seu nome, um nome próprio, está precedendo imediatamente a cláusula. Consideremos como analogia esta paráfrase: “Eu tenho um carro e um caminhão, e este é azul.” Qual é o azul? O caminhão, porque é o substantivo mais próximo ao pronome “este”. Tudo isto seria mais claro se a referência ao carro fosse a duas frases da que contém o adjetivo “azul”, como a referência à profissão de fé de Pedro está a duas frases do termo “rocha”.

Outra alternativa

O mesmo tipo de argumentação considera que a palavra rocha pode fazer referência ao próprio Cristo, já que ele está mencionado na profissão de fé. O fato de que em outra parte da Escritura, em uma metáfora diferente, Cristo seja chamado “pedra angular” (Ef 2,20; 1Pe 2,4-8) não desaprova que aqui a fundação seja Pedro. Naturalmente, Cristo é o principal e, já que ele está regressando aos céus, a invisível fundação da Igreja que ele estabelecerá, Pedro é nomeado por ele como o secundário, porque ele e seus sucessores permanecerão sobre a terra, a visível fundação. Pedro pode ser a fundação somente porque Cristo é o Primeiro.

Consideremos outra analogia: Às vezes pedimos a nossos amigos que rezem por nós e oramos por eles. Nossas orações pedem a Deus especial ajuda para um e outro. Que estamos fazendo quando rezamos? Estamos agindo como mediadores, como intercessores. Estamos suplicando a Deus em favor de outro. Seria isto contra a declaração de Paulo que Cristo é o único mediador (1Tm 2,5)? Não, porque nossa mediação é inteiramente secundária e depende da mediação de Cristo. Ele é o único Deus-Homem, a única pessoa que é ponte entre Deus e o homem, mas nossa intercessão por outra pessoa não interfere na mediação de Cristo. Na realidade, nos quatro versos anteriores a 1Tm 2,5, Paulo manda os cristãos orarem uns pelos outros. Cristo poderia ter estabelecido sua mediação da forma que quisesse, mas decidiu que nós também participaríamos quando Ele próprio nos mandou rezar uns pelos outros (Mt 5,44; 1Tm 2,14; Rm 15,30; At 12,50). Assim, como pode haver intercessores secundários e um principal, também pode haver uma fundação secundária e uma principal.

Um olhar para o Aramaico

Os que se opõe à interpretação católica de Mt 16,18 algumas vezes argumentam que no texto grego o nome do apóstolo é “Petros”, enquanto “rocha” é traduzida como “pedra” (petra). Eles dizem que a primeira palavra (petros) significa uma pequena pedra e que a segunda (petra) é uma grande massa de rocha, então, se Pedro foi pensado para ser uma grande rocha, por que seu nome não é “Petra”? Mas, observe que Cristo não falou para os seus discípulos em grego.

Ele falou em aramaico, uma linguagem popular na Palestina de então. Nessa língua a palavra para “rocha” era “Kepha”, que é a utilizada por Jesus em sua linguagem comum (repare que em Jo 1,42 Ele disse: “chamar-te-ás Cefas”). O que Jesus disse em Mt 16,18 foi isto: “Tu és Kepha, e sobre esta kepha edificarei minha Igreja.”

Quando o evangelho segundo São Mateus foi traduzido do aramaico original para o grego surgiu um problema que o evangelista não enfrentou quando compôs este compêndio da vida de Cristo. Em aramaico, a palavra kepha tinha o mesmo sentido final para se referir a uma grande rocha ou a um nome pessoal masculino. Em grego, a palavra para traduzir rocha, petra, é do gênero feminino. O tradutor poderia usá-la na segunda vez em que aparece a palavra na oração, mas não na primeira porque seria inapropriado dar a um homem um nome feminino. Por isso o tradutor pôs um final masculino nele, e este foi Petros.

Além disso, a premissa do argumento contra Pedro como rocha é simplesmente equivocada, pois no século primeiro as palavras gregas “petros” e “petra” eram sinônimos. Possuíram o significado de “pequena pedra” e “rocha grande”, respectivamente, nos primórdios da poesia grega, mas no século primeiro essa distinção já havia se perdido, assim admitem alguns protestantes estudiosos da Bíblia

Alguns dos efeitos do jogo de palavras de Cristo perderam-se na tradução do aramaico para o grego, mas foi o melhor que pôde ser feito em grego. Em inglês, como em aramaico, não existem problemas com as finais, porque na tradução para o inglês poderia ser lido: “Tu és Rocha, e sobre esta rocha edificarei minha Igreja”. [Pode-se dizer o mesmo em português. Assim como em aramaico, a frase não gera nenhuma confusão, tal como se lê na tradução hoje em dia: “Tu és Pedro (nome próprio masculino que significa pedra), e sobre esta pedra (substantivo comum que faz referência ao substantivo próprio anterior) edificarei minha Igreja.”

Considerando outro ponto de vista; se a palavra rocha se refere diretamente a Cristo (como dizem alguns anticatólicos, baseando-se em 1Cor 10,4 “e essa rocha era Cristo” – ainda que a rocha fosse literalmente uma rocha física que viajava com os israelitas no deserto durante o êxodo; cf. Ex 17,6; Nm 20,8), por que Mateus deixou a passagem como estava? No aramaico original, e no inglês que é mais parecido com o aramaico do que o grego, a passagem é clara. Mateus acreditava que seus leitores entenderiam o óbvio sentido de “Pedro … pedra”.

Se Mateus referia-se a Cristo como a rocha, por que não o fez claramente? Por que deu a oportunidade e deixou Paulo escrever esclarecendo o texto (pressupondo, naturalmente, que 1 Coríntios foi escrito depois do evangelho segundo Mateus, e se foi primeiro, por que não escreveu para esclarecer o assunto?).?

A razão, certamente, é que Mateus sabia muito bem que a frase queria dizer o que realmente está dizendo. E foi Simão, fraco como era, o escolhido para ser a rocha, o primeiro elo na cadeira do papado.

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Publicado em Apologética, Papa, Primado

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