O profeta Isaías nasceu por volta de 765 a.C. Em 740, ano da morte do rei Ozias, ele recebeu, no Templo de Jerusalém, sua vocação profética, a missão de anunciar a ruína de Israel e de Judá como castigo das infidelidades do povo (6,1-13). Exerceu o ministério durante quarenta anos, dominados pela ameaça crescente que a Assíria fazia pesar sobre Israel e Judá. Distinguem-se quatro períodos entre os quais se pode, com maior ou menor certeza, distribuir os oráculos do profeta. — 1° Os primeiros datam do período de poucos anos entre sua vocação e a subida de Acaz ao trono em 736. Isaías preocupava-se então sobretudo com a corrupção moral que a prosperidade tinha provocado em Judá (1-5 em boa parte). — 2° O rei de Damasco, Rason, e o rei de Israel, Faceia, quiseram arrastar o jovem Acaz a uma coligação contra Teglat Falasar III, rei da Assíria. Diante de sua recusa, atacaram Acaz, o qual recorreu à Assíria. Isaías interveio então e debalde tentou opor-se a esta política por demais humana. Desta época data o “livrinho do Emanuel” (7,1-11,9 em grande parte, mas também 5,26-29 [?]; 17,1-6; 28,1-4). Após a falência de sua missão junto a Acaz, Isaías retirou-se da cena pública (cf. 8,16-18). — 3° O recurso de Acaz a Teglat Falasar]] colocou Judá sob a tutela da Assíria e precipitou a ruína do reino do Norte. Depois da anexação duma parte do seu território em 734, a pressão estrangeira se agravou e, em 721, Samaria caiu em poder dos assírios. Em Judá, Ezequias sucedeu a Acaz. Era um rei piedoso, animado do espírito de reforma. Mas as intrigas políticas renasceram e desta vez buscaram o apoio do Egito contra a Assíria. Isaías, fiel a seus princípios, queria que recusassem toda aliança militar e que confiassem em Deus. Com este começo do reinado de Ezequias estão relacionados 14,28-32; 18; 20; 28,7-22; 29,1-14; 30,8-17. Após a repressão da revolta e a tomada de Azoto por Sargon (20), Isaías voltou ao silêncio. — 4° Voltou a pregar em 705, quando Ezequias deixou-se levar a uma revolta contra a Assíria. Senaquerib assolou a Palestina em 701, mas o rei de Judá quis defender Jerusalém. Isaías sustentou-o em sua resistência e prometeu o socorro de Deus; a cidade foi salva efetivamente. Deste último período datam pelo menos os oráculos de 1,4-9 (?); 10,5-15.27b-32; 14,24-27 e as passagens de 28-32 que não foram associadas ao período precedente. Nada mais sabemos da carreira de Isaías depois de 700. Conforme uma tradição judaica, ele teria sido martirizado no tempo de Manassés.
Esta participação ativa nos assuntos de seu país faz de Isaías um herói nacional. É também poeta genial. O brilho do estilo, a novidade das imagens fazem dele o grande “clássico” da Bíblia. Suas composições têm força concisa, majestade e harmonia que jamais serão igualadas. Mas sua grandeza é antes de tudo religiosa. Isaías foi marcado para sempre pela cena de sua vocação no Templo, na qual teve a revelação da transcendência de Deus e da indignidade do homem. Sua ideia de Deus tem algo de triunfal e também de pavoroso: Deus é o Santo, o Forte, o Poderoso, o Rei. O homem é um ser manchado pelo pecado, do qual Deus pede reparação, pois Deus exige a justiça nas relações sociais e também a sinceridade no culto que se lhe tributa. Quer que o homem seja fiel. Isaías é o profeta da fé e, nas graves crises que a nação atravessa, pede que confiem só em Deus: é a única oportunidade de salvação. Sabe que a provação será dura, mas espera que sobreviva um “resto”, do qual o Messias será o rei. Isaías é o maior dos profetas messiânicos. O Messias que ele anuncia é um descendente de Davi, que fará reinar sobre a terra a paz e a justiça, e difundirá o conhecimento de Deus (2,1-5; 7,10-17; 9,1-6; 11,1-9; 28,16-17).
Gênio religioso tão grande, marcou profundamente sua época e fez escola. Suas palavras foram conservadas e sofreram acréscimos. O livro que traz seu nome é o resultado de um longo processo de composição, impossível de reconstituir em todas as suas etapas. O plano definitivo faz pensar no de Jeremias (segundo o texto grego) e no de Ezequiel: 1-12, oráculos contra Jerusalém e Judá; 13-23, oráculos contra as nações; 24-35, promessas. Mas este plano não é rígido; por outro lado, a análise demonstrou que o livro não segue senão imperfeitamente a ordem cronológica da carreira de Isaías. Foi formado a partir de diversas coleções de oráculos. Certos conjuntos remontam ao próprio profeta (cf. 8,16; 30,8). Seus discípulos, imediatos ou longínquos, reuniram outros conjuntos, glosando às vezes as palavras do mestre ou juntando-lhe acréscimos. Os oráculos contra as nações, agrupados em 13-23, incorporaram trechos posteriores, em particular 13-14, contra Babilônia (do tempo do Exílio). São acréscimos mais extensos: “o Apocalipse de Isaías” (24-27), que por seu gênero literário e por sua doutrina não pode ser situado antes do século V a.C.; uma liturgia profética posterior ao Exílio (33); um “pequeno Apocalipse” (34-35), que depende do Segundo Isaías. Enfim, é tido como apêndice o relato da atuação de Isaías durante a campanha de Senaquerib (36-39), tomado de 2Rs 18-19, com a inserção de um salmo pós-exílico atribuído a Ezequias (38,9-20).
O livro recebeu acréscimos mais consideráveis ainda. Os caps. 40-55 não podem ser obra do profeta do século VIII. Não só nunca é mencionado aí o seu nome, mas também o contexto histórico é posterior cerca de dois séculos: Jerusalém foi tomada, o povo se acha cativo em Babilônia, Ciro já está em cena e será o instrumento da libertação. Sem dúvida, a onipotência divina poderia transportar um profeta a um futuro longínquo, retirá-lo do presente e alterar suas imagens e seus pensamentos. Mas isso supõe o desdobramento da sua personalidade e o esquecimento dos contemporâneos — para os quais ele foi enviado — os quais não têm paralelo na Bíblia e são contrários à própria noção de profecia, a qual não faz intervir o futuro senão como ensinamento para o presente. Esses capítulos contêm a pregação dum anônimo, continuador de Isaías e grande profeta, como ele, o qual, na falta de um nome melhor, chamamos de Dêutero-Isaías
ou de Segundo Isaías. Pregou em Babilônia entre as primeiras vitórias de Ciro, em 550 a.C. — que levam a adivinhar a ruína do império babilônico — e o edito libertador de 538, que permitiu os primeiros retornos. A coletânea, sem ser efetivamente compósita, apresenta mais unidade que os caps. 1-39. Ela começa com o equivalente de uma narração de vocação profética (40,1-11) e termina com uma conclusão (55,6-13). Por causa das primeiras palavras: “Consolai, consolai meu povo” (40,1), deu-se-lhe o nome de “livro da Consolação de Israel”.
Com efeito, é esse seu tema principal. Os oráculos dos caps. 1-39 eram geralmente ameaçadores e cheios de alusões aos acontecimentos dos reinados de Acaz e de Ezequias; os dos caps. 40-55 estão desligados deste contexto histórico e são consoladores. O julgamento cumpriu-se na ruína de Jerusalém, o tempo da restauração está próximo. Será uma renovação completa e este aspecto é sublinhado pela importância dada ao tema de Deus criador, unido ao de Deus salvador. Um novo êxodo, mais maravilhoso do que o primeiro, reconduzirá o povo a uma nova Jerusalém, mais bela que a primeira. Esta distinção entre dois tempos, o das “coisas passadas” e o das “coisas vindouras”, marca o começo da escatologia. Comparando-se com o primeiro Isaías, o pensamento é mais teologicamente construido. O monoteísmo é afirmado doutrinalmente e a vaidade dos falsos deuses é demonstrada por sua impotência. A sabedoria e a providência insondáveis de Deus são postas em relevo. O universalismo religioso exprime-se claramente pela primeira vez. Essas verdades são anunciadas num tom inflamado e com um ritmo breve, que manifestam a urgência da salvação.
No livro estão inseridas quatro peças líricas, os “cânticos do Servo” (42,1-4 [5-9]); 49,1-6; 50,4-9 [10-11]; 52,13-53,12). Eles apresentam um perfeito servo de Iahweh, que reúne o seu povo e é a luz das nações, que prega a verdadeira fé, expia por sua morte os pecados do povo e é glorificado por Deus. Essas passagens estão incluídas entre as mais estudadas do Antigo Testamento, e não existe acordo nem quanto à sua origem nem quanto ao seu significado. A atribuição dos três primeiros cânticos ao Segundo Isaías é muito verossímil; é possível que o quarto seja obra de um dos seus discípulos. A identificação do Servo é muito discutida. Muitas vezes se tem visto nele uma figura da comunidade de Israel, à qual outras passagens do Segundo Isaías dão, de fato, o título de “servo”. Mas os traços individuais são marcados demais e é por isso que outros exegetas, que formam atualmente a maioria, reconhecem no Servo uma personagem histórica do passado ou do presente; nesta perspectiva, a opinião mais atraente é a que Identifica o Servo com o próprio Segundo Isaías; o quarto cântico teria sido acrescentado após sua morte. Combinaram-se assim as duas interpretações, considerando o Servo como um indivíduo que incorporava os destinos do seu povo.
Seja como for, uma interpretação que se limitasse ao passado ou ao presente não explicaria suficientemente os textos. O Servo é o mediador da salvação que virá e isso justifica a interpretação messiânica, que uma parte da tradição judaica dava destas passagens, afora o aspecto do sofrimento. São, ao contrário, os textos sobre o Servo sofredor e sua expiação vicária que Jesus utilizou, aplicando-os a si próprio e à sua missão (Lc 22,19-20.37; Mc 10,45); e a primeira pregação cristã reconheceu nele o Servo perfeito anunciado pelo Segundo Isaías (Mt 12,17-21; Jo 1,29).
A última parte do livro (caps. 56-66) tem sido considerada como obra de outro profeta, denominado “Trito-Isaías”, Terceiro Isaías. Hoje, geralmente, reconhece-se que é uma coletânea diversificada. O Salmo de 63,7-64,11 parece anterior ao fim do Exílio; o oráculo de 66,1-4 é contemporâneo da reconstrução do Templo, por volta de 520 a.C. O pensamento e o estilo dos caps. 60-62 aparentam-nos muito estreitamente com o Segundo Isaías. Os caps. 56-59, em seu conjunto, podem datar do século V a.C. Os caps. 65-66 (exceto 66,1-4), que têm forte sabor apocalíptico , foram datados da época grega por certos exegetas, mas outros os situam no tempo imediatamente posterior ao retorno do Exílio. Considerada globalmente, essa terceira parte do livro apresenta-se como obra dos continuadores do Segundo Isaías; é o último produto da tradição isaiana, que prolonga a ação do grande profeta do século VIII.
Foi encontrado numa gruta, à beira do mar Morto, um manuscrito completo de Isaías, que data provavelmente do século II antes de nossa era, o qual se afasta do texto massorético por sua ortografia particular e por determinadas variantes, algumas das quais são úteis para estabelecer o texto. São indicadas nas notas pela sigla 1QIs.
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