Bem-aventurados Pe. André de Soveral, Pe. Ambrósio Francisco
Ferro, Mateus Moreira e 27 companheiros mártires
Todos conhecem um pouco da história da ocupação holandesa no
nordeste do Brasil. Os países baixos, antiga possessão
espanhola e em guerra contra a Espanha, atacaram o Brasil,
que na época tinha como soberano o Rei Felipe II, espanhol. A
1ª invasão ocorreu em maio de 1624, quando os holandeses
tomaram a Bahia; foram expulsos em 1625, com ajuda de uma
frota espanhola. Não desistiram, e em 1630 invadiram
Pernambuco, tomando Olinda e Recife. Conseguiram fixar-se e
aumentar os seus domínios em todo o litoral nordestino:
Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Para governar Pernambuco foi
enviado o príncipe Maurício de Nassau, que governou com muita
habilidade, atraindo a amizade dos brasileiros.
No Rio Grande
Os holandeses chegaram à Capitania do Rio Grande, hoje Estado
do Rio Grande do Norte, dia 8 de dezembro de 1633. Depois da
rendição dos portugueses da Fortaleza dos Reis Magos, que
defendia a entrada marítima da cidade, a principal
preocupação dos invasores foi assumir, o quanto antes, os
pontos estratégicos que garantiam a economia da região e a
subsistência da população. A principal fonte de renda era o
gado, seguido da cana-de-açúcar. Haviam dois engenhos: o
Potengi, economicamente decadente, e o Cunhaú. Ora, quando os
holandeses chegaram a Natal, vários moradores importantes
refugiaram-se no Potengi, propriedade de um deles, na
esperança de que viesse ajuda da Paraíba e Pernambuco. Foram
perseguidos. Os invasores, com a ajuda dos índios Tapuias,
mataram Francisco Coelho, dono do engenho, sua mulher e seis
filhos, e todas as outras pessoas que ali se encontravam , em
número de 60. Este foi o primeiro massacre realizado pelos
holandeses no Rio Grande. Como não havia a motivação
religiosa, não é considerado um martírio pela fé.
Enquanto o Potengi estava quase desativado, o engenho Cunhaú
era o mais importante centro da economia da capitania. Foi
por isso palco de muitas lutas pelo seu controle, entre
portugueses, índios e holandeses. Passadas todas as
turbulências no período inicial da invasão, a vida do engenho
voltou a sua normalidade. Ao redor da capela de Nossa Senhora
das Candeias, da casa grande e do engenho, viviam pacatamente
70 modestos colonos e suas famílias.
Durante a ocupação holandesa, a Igreja no Rio Grande do
Norte, implantada pelo trabalho missionário dos jesuítas e
estruturada em duas paróquias, a de Natal e a de Cunhaú,
passou por um período de crise causada pelas autoridades
hostis à Igreja e pela busca de novos fiéis por pastores
calvinistas. O calvinismo era a principal religião em terras
flamengas (Holanda e parte da atual Bélgica). Com o tempo
essa situação hostil transformou-se em verdadeira perseguição
religiosa, que culminou com os massacres de Cunhaú e Uruaçu.
Martírio de Cunhaú
Dia 15 de julho chegou em Cunhaú Jacó Rabe, trazendo consigo,
como sempre, seus amigos e liderados, os ferozes tapuias, e,
além deles, alguns potiguares com o chefe Jerera e soldados
holandeses. Jacó Rabe era conhecido por seus saques e
desmandos, feitos com a conivência dos holandeses, deixando
um rastro de destruição por onde passava. Dizendo-se em
missão oficial pelo Supremo Conselho Holandês do Recife,
convoca a população para ouvir as ordens do Conselho após a
missa dominical no dia seguinte. Sua simples presença deixou
todos tensos e temerosos.
Uma chuva torrencial na manhã de domingo, dia 16, alagando
sobremaneira os caminhos da região, impediu que o número de
pessoas a comparecer na missa fosse maior. Foi uma chuva
providencial.
Pelo receio de Rabe, alguns esperaram na casa de engenho. Os
fiéis chegaram, em grupos de famílias, para cumprir o
preceito dominical, e Pe. André de Soveral iniciou a missa…
“Após a elevação da hóstia e do cálice, erguendo o Corpo do
Senhor para a adoração dos presentes, a um sinal de Jacó
Rabe, foram fechadas todas as portas da igreja e se deu
início à terrível carnificina.
Foram cenas de grande atrocidade: os fiéis em oração, tomados
de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente
atacados e mortos pelos flamengos com a ajuda dos tapuias e
dos potiguares.
Ao perceber que iam ser mesmo sacrificados, os fiéis não se
rebelaram. Ao contrário, “entre ânsias se confessaram ao sumo
sacerdote Jesus Cristo Senhor Nosso, pedindo-lhe cada qual,
com grande contrição, perdão de suas culpas”, enquanto o Pe.
André estava “exortando-os a bem morrer, rezando
apressadamente o ofício da agonia”.
Os primeiros ataques ao venerando sacerdote, Pe. André de
Soveral, partiram dos tapuias. O Padre, porém, falando a
língua indígena na qual era bem versado, exortou-os a não
tocar na sua pessoa ou nas imagens e objetos do altar, sob
pena de ficarem tolhidas as mãos e as partes do corpo que o
fizessem. Os tapuias recuaram receosos. Mas os potiguares não
deram importância às palavras do sacerdote, arremetendo
contra o ministro de Deus e “fazendo-o em pedaços”. O autor
da façanha foi o principal dos Potiguares Jerera, que,
empunhando uma adaga, feriu de morte o Pe. André”( PEREIRA,
F. de Assis. Protomártires do Brasil, p.16s ).
Os que haviam se refugiado na casa do senhor de engenho
tiveram a mesma sorte. Após a igreja, esta foi invadida. Três
conseguiram fugir escapando pelos telhados. Os outros
tentaram se defender como puderam, mas também foram mortos.
A disposição dos fiéis à hora da morte era a de verdadeiros
mártires, ou seja, aceitando voluntariamente o martírio por
amor a Cristo. Os assassinos agiam em nome de um governo que
hostilizava abertamente a Igreja Católica, a religião do
governo português, do qual eram adversários. As vítimas
tinham plena consciência disso.
De toda essa numerosa multidão de mártires, cerca de 70
pessoas, apenas duas foram identificadas, e por isso,
beatificadas: André de Soveral e Domingos de Carvalho. Mais
adiante voltaremos a falar deles.
Martírio de Uruaçu
A notícia do massacre de Cunhaú espalhou-se por todo o Rio
Grande e capitanias vizinhas, deixando a população
aterrorizada, temendo novos ataques dos tapuias e
potiguares, instigados pelos holandeses. Mesmo suspeitando
dessa conivência do governo holandês, alguns moradores
influentes pediram asilo ao comandante da Fortaleza dos Reis
Magos. Assim, foram recebidos como hóspedes o vigário Pe.
Ambrósio Francisco Ferro, Antônio Vilela, o Moço, Francisco
de Bastos, Diogo Pereira e José do Porto.
Os outros moradores, a grande maioria, não podendo ficar no
Forte, assumiram a sua própria defesa, construindo uma
fortificação na pequena cidade de Potengi, a 25 quilômetros
da Fortaleza.
Enquanto isso, Jacó Rabe prosseguia com seus crimes. Após
passar por várias localidades do Rio Grande e da Paraíba,
chegou em setembro à Casa Forte do francês João Lostau
Navarro, a poucos quilômetros de Natal. Vários moradores
foram mortos e o proprietário, por ser estrangeiro, levado ao
Forte dos Reis Magos. No Forte encontrou-se com os nossos
conhecidos hóspedes e outro prisioneiro, Antônio Vilela Cid.
Este era acusado de cumplicidade na morte de um holandês e de
fazer parte de uma conspiração pela expulsão dos holandeses.
Rabe foi então à Potengi, e encontrou heróica resistência
armada dos fortificados. Como sabiam que ele mandara matar os
inocentes de Cunhaú, resistiram o mais que puderam, por 16
dias, até que chegaram duas peças de artilharia vindas da
Fortaleza dos Reis Magos. Não tinham como enfrentá-las.
Depuseram as armas e entregaram-se nas mãos Deus! Cinco
reféns foram levados à Fortaleza: Estêvão Machado de Miranda,
Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da
Silveira e Simão Correia.
Desse modo, os moradores do Rio Grande ficaram em dois
grupos: 12 na Fortaleza e o restante sob custódia em Potengi.
Dia 2 de outubro chegaram ordens de Recife mandando matar
todos os moradores, o que foi feito no dia seguinte, 3 de
outubro.
Os holandeses decidiram eliminar primeiro os 12 da Fortaleza,
por serem pessoas influentes, servindo de exemplo: o vigário,
um escabino, um rico proprietário. Foram embarcados e levados
rio acima para o porto de Uruaçu. Lá os esperava o chefe
indígena potiguar Antônio Paraopaba e um pelotão armado de
duzentos índios seus comandados. Este chefe fora educado na
Holanda e convertido à religião calvinista, da qual era
fanático defensor. Mais tarde os holandeses o fizeram regedor
dos índios da Capitania do Rio Grande.
Logo que chegaram, os flamengos ordenaram aos 12 que se
despissem e ajoelhassem. Chamando os índios, que estavam
emboscados, estes cercaram os pobres indefesos e deram início
à requintada carnificina que se seguiu.
Mons. Assis, o postulador da causa desses nossos queridos
beatos, por dever de ofício e necessária precisão histórica,
narra os tormentos e crueldades praticados tanto por índios
como por holandeses (PEREIRA, F. de Assis. Protomártires do
Brasil, p. 36-44; também p. 109-114)… Impossível ler
aquelas páginas e não chorar! Santo Deus! Como resistiram a
tanta crueldade? Só mesmo a força da graça divina, que se
manifesta na fraqueza humana, pode explicar a heroicidade
desse transe! Antes de receberem a palma do martírio na
Glória do céu, o mínimo que lhes aconteceu foi terem olhos,
orelhas e línguas arrancadas, órgãos sexuais cortados e
colocados em suas bocas…ainda vivos! Os que não morreram
por essas e outras crueldades, começaram a ter os membros
cortados, e, dessa forma, entregaram a alma a Deus. Depois de
mortos, a barbárie continuou, e seus corpos foram feitos em
pedaços…
Em contraste à essa violência, temos a atitude serena e
profundamente cristã das vítimas. Além disso, importantíssimo
para a caracterização do martírio pela fé, foi justamente a
presença de um pastor protestante calvinista, que tentou fazê-
los abjurar a fé católica e converterem-se à religião dos
flamengos. Confessaram a alta voz que morriam na verdadeira
fé:
“Pedindo todos a Deus que tivesse deles misericórdia, e lhes
perdoasse suas culpas e pecados, protestando que morriam
firmes na santa fé católica crendo o que cria a santa madre
igreja de Roma“( SANTIAGO, D. L.. História da Guerra de
Pernambuco, p. 346, citado em: PEREIRA, F. de Assis.
Protomártires do Brasil, p. 38)
É importante ser ressaltado isso, pois não era simplesmente
uma perseguição política. Era claro para as vítimas que ceder
aos invasores era ceder aos hereges calvinistas; era trair ao
Rei, o soberano português, e à Religião Católica. Era esse o
sentir das pessoas então; vencer e expulsar os invasores era
defender a pátria e vencer para Deus e a verdadeira fé. Nas
atrocidades do martírio também se manifesta o ódio à fé
católica por parte dos assassinos, pela forma como foi
tratado Pe. Ambrósio: por ser sacerdote, estando ainda ele
vivo, foi mais duramente torturado.
Quanto aos outros moradores que estavam presos em Potengi,
também eles não tinham mais ilusões de que sobreviveriam, e
teriam o mesmo fim que os inocentes fiéis de Cunhaú.
Aguardavam o martírio em clima de grande religiosidade.
Dentro da fortificação, que se tornou cadeia, eram realizadas
orações, procissões, jejuns e penitências fortíssimas. As
penitências foram tantas que seus corpos depois as
denunciavam antes de serem sepultados.
Embora somente os homens é que deveriam ser levados para a
morte, sabe-se que algumas mulheres com seus filhos
acompanharam os chefes de família e foram também
sacrificados.
Quando os soldados holandeses vieram buscá-los, sabiam que
iam para o suplício:
“Despediram-se os miseráveis de suas mulheres e filhos com
muitas lágrimas, pedindo-lhes com muita eficácia que, pois
iam morrer por seu Deus e inocentes, que lhes encomendassem
as almas a seu Criador, e a quem pelo caminho foram pedindo
perdão de seus pecados, dando-lhes muitas graças e, mui
conformes por morrerem daquela sorte, e, antes de serem
chegados ao sítio, teatro de crueldade e tirania jamais
vista, foram cercados pelos índios, e em chegando viram os
cadáveres de seus companheiros e vizinhos que ainda
palpitavam com as feridas, com cuja vista não desmaiaram,
antes deram a Deus muitas graças consolando-se uns aos
outros, e protestando que morriam firmes na fé católica
romana.”( PEREIRA, F. de Assis. Protomártires do Brasil, p.
40s )
Repetiram-se então as piores atrocidades e barbáries, que os
próprios cronistas da época sentiam pejo em contá-las, porque
atentavam às leis da moral e modéstia.
Em Uruaçu foram mortos os principais moradores de Natal, que
por medo dos índios e holandeses tinham se refugiado na
Fortaleza dos Reis Magos e na fortificação de Potengi.
Calcula-se em torno de 80 pessoas.
Nada vem de bom da parte do protestantismo, que é realmente obra do demônio. Por isso seus seguidores se parecem tanto com os asseclas do Maligno. Nada há a se comemorar após 500 anos de barbárie, hipocrisia redobrada e decadência na cultura – a soberba dos hereges é que colocou a sociedade de hoje na podridão que enfrentamos todos os dias. Parabéns aos Protomártires de Cunhaú e Uruaçu, pois se portaram como verdadeiros Filhos de Deus! Gostei muito de conhecer a história deles, e o Papa Francisco foi muito sábio e oportuno ao reconhecer a santidade desses nossos antepassados do Nordeste!